sábado, 20 de fevereiro de 2010

Namoro

“Namorar é viver no paraíso”. Já ouvi essa frase em algum lugar mas nunca entendi direito o seu significado.

Casei, separei e estou namorando de novo. Só agora estou começando a entender o conceito. Namorar é assistir junto com ela o último capítulo da novela das oito em uma sexta-feira à noite. Agora, namorar e realmente gostar da situação é no dia seguinte assistir a reprise do capítulo e ainda pedir para ela fazer uma retrospectiva de toda a novela para que você entenda o que está passando.

Como é bom namorar. A maioria das frases que se escuta é: “Oi meu bem. Te vejo a noite meu bem”. Bem melhor do que no fim de um casamento: “Esse é meu bem e aquele é o seu bem e não se fala mais nisso”.

Tive que reaprender todo o esquema novamente. Responsabilidades e deveres de um namorado. Não se parece nem de longe com a rotina de um casamento.

Um bom namorado que se preze não chega rotineiramente e diz que está cansado e teve um dia ruim. Isso quem pode fazer é um marido. O certo é dizer que passou o dia pensando nela e que não via a hora de encontrá-la. Na hora que ela escuta isso, abaixa os olhos emocionada aí sim, é permitido dar aquela bocejada para espantar o sono. Mas tem que ser rápido, pois se ela perceber o lapso você terá problemas pelo resto da noite.

Se até este ponto tudo deu certo e ela resolveu ficar para dormir na sua casa não se esqueça de um detalhe importante. Sua geladeira. Claro, você mora só, não tem obrigações com ninguém mas não custa nada limpá-la. Jogue fora todas as caixas velhas com resto de pizza, aquela metade de cebola enrugada no canto, o meio pote de margarina vencida e a lata de cerveja aberta . Em hipótese nenhuma a deixe descobrir que você guarda o resto de comida no prato junto com os talheres no freezer para requentá-lo mais tarde no microondas. Nada de restos. Passe no supermercado, compre algumas frutas e legumes, lasanha fresca e sucos. Preencha a geladeira com coisas saudáveis. Ela não precisa saber que você irá pedir uma pizza e que tudo aquilo irá apodrecer. Como diria um amigo meu, marketing é a alma do negócio.

Como nós, seres masculinos, temos tendência natural ao relapso, não custa nada dar uma checada na louça guardada no armário. Dedos de poeira e marcas antigas de batom nos copos são imperdoáveis. Pode parecer paranóia mas aconteceu comigo. Sempre gostei de usar copos de requeijão, são resistentes, práticos e se quebrar sempre há outro para substituir. Naquela noite resolvi usar as taças de vinho do fundo do armário. Enquanto exercitava meu curto repertório de conquistador ela nota a marca seca de batom na taça que segurava. Foi mortal.

Claro, existem outros detalhes do cotidiano que precisam ser revistos, a posição da tampa da privada, a lamina de barbear guardada no lugar correto e a toalha úmida devidamente pendurada no varal. Estes pequenos detalhes evitam que seu banheiro fique com cheiro de vestiário de time de futebol do interior e, claro, contaram pontos a seu favor.

Outro ponto a ser cuidadosamente trabalhado é o primeiro contato com a nova família. Uma das lições já aprendidas é sempre se apresentar com o seu nome próprio, nunca como “eu sou o namorado da fulana”. Isso é um erro grave. Você sempre será conhecido como o namorado mas jamais lembraram do seu nome. Um conhecido meu, irritado com essa situação, sempre que era apresentado como “o namorado” emendava a seguinte frase: “mas me chamam de Bond, James Bond.” Claro, acabou o namoro.

Como tudo na vida o namoro também é um aprendizado, nós somos seres pensantes e temos uma grande capacidade de adaptação às situações mais adversas.

Mas se apesar de todo o esforço e cuidado ainda assim acontecer um desastre faça como um mestre, respire fundo e diga com a maior cara de pau:

“Podemos esquecer este episódio e seguir em frente, nunca mais falaremos sobre isso, concorda?”

Se ela concordar ótimo, você ganhou mais tempo, boa sorte até a próxima.

Mas não se esqueça, isso só funciona uma vez.

Criança

Todo o ser humano que se preze acha lindo quando vê uma criança brincando. Também acho. Até aquela noite.

Fui convidado para um jantar no apartamento de um casal amigo com um filho pequeno. Chegando cumprimentei a todos e observei aquela criança tímida sentada toda arrumada no canto do sofá. Extremamente educada para sua idade sorria fazendo gestos de adeus com a mão. Todos se aproximavam dela perguntando seu nome, quantos aninhos tinha. Elogiavam aos pais pelo filho lindo que tinham.

Os aperitivos são servidos enquanto o pequeno ser brinca calmamente entre os convidados.

O problema começa quando o teor etílico começa a afetar a cabeça dos convivas. Querem agora fazer parte das brincadeiras do moleque. Levantam-no, sacodem, pegam seus brinquedos, correm atrás dele e este maravilhado acha que chegou ao céu. Nunca em sua curta existência teve tanta atenção em tão pouco tempo.

O jantar é servido. Sentado no cadeirão perto da mesa ele brinca com a comida. Meio agitado começa a jogar pedaços de pizza para os lados. A mãe inutilmente tenta acalmá-lo. Ela explica com um ar meio sem graça que ele normalmente não é assim. Muita gente, ele não esta acostumado. Todos sorriem, nem se importam, acham lindo como aquela criança espalha comida pelo chão da sala.

Terminado o jantar fomos para um café. A essa altura o moleque está a mil por hora. Tinha achado a bola que a mãe, convenientemente havia escondido. Transformando a sala em seu Maracanã particular chutava a pelota para todos os lados e vez ou outra acertava minha perna. Todos os convidados participavam gritando e incentivando a pelada improvisada.

A mãe arriada entre as almofadas do sofá definitivamente tinha desistido. Olha impotente quando uma taça cheia de vinho tinto se quebra espalhando o liquido pelo seu tapete novo.

O ponto alto da noite foi a sobremesa. Sem que ninguém percebesse o garoto atolou as duas mãos no bolo e saiu correndo espalhando chocolate por todos os móveis. Em desespero a mãe persegue aquele rastro marrom segurando um pano de prato em uma inútil tentativa de estabelecer alguma ordem naquele caos.

Como um pequeno general recém empossado no cargo ele agora controla um exercito de brinquedos e pessoas espalhados pela sala. Tinha tomado o poder.

A noite vai chegando ao fim. As pessoas se despedindo, agradecendo. O pequeno infante assiste tudo pulando alucinadamente no sofá branco com os sapatos sujos de chocolate. Olhando aquilo me lembro do filme o Médico e o Monstro. Naquela noite vi um ser delicado, tranqüilo se transformando em um pequeno tornado destruindo tudo que estava em seu caminho.

Agradeço aos anfitriões e digo que tudo estava ótimo, poderíamos repetir aquilo mais vezes. A mãe me olhou com um misto de desespero e ódio. Só ela saberia o que a esperava pela frente. Como fazer uma criança que mais parecia um trem desgovernado dormir e ainda no outro dia ter que refazer a casa semi destruída.

No elevador olho para minha esposa. Ela sorriu e entendeu. Um filme seria o máximo que aconteceria naquela noite. Estava meio traumatizado para atividades noturnas mais ousadas.