quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Fim de ano...

Hoje acordei com uma frase martelando minha cabeça: “Nunca comece um jogo que não pode ganhar

De onde surgiram frases de efeito que escutamos a toda hora? De intelectuais pensantes afundados em livros ou ébrios afundados em seu torpor etílico?

Passei minha vida inteira parafraseando outros, decisão fim de 2010: vou criar minhas próprias frases.

A palavra da moda em voga é pró-atividade. O que realmente significa isso? Hoje em dia todos dizem em qualquer situação que são indivíduos pró-ativos, ninguém mais questiona o real significado disto. No contexto de hoje um cão de guarda é o ser mais pró-ativo que conheço, morde qualquer infeliz que cruzar seu caminho.

Que tal essa, - foco -, também é ótima para ser usada em todas as ocasiões, “tenho foco em tudo que faço”, “precisamos de foco para terminar o serviço”. Terrível, o próprio significado da palavra já expõe o problema, qualquer situação focada torna todo o resto “desfocado”, “fora do foco” isto é: irrelevante. Bela forma de definir egoísmo.

Outra frase moderna que já não agüento mais ouvir é: estou correndo!!! Para onde? Por acaso virou maratonista? Quando encontro alguém em situações inesperadas já não pergunto como vai. A resposta será a mesma: fora à correria, tudo bem.

Hoje ninguém mais dimensiona as coisas que falam.

No fim deste ano escutei uma que me fez parar para pensar: você é bem sucedido? Diretamente do gestor do escritório onde trabalho no meio de uma reunião. Finalmente uma pergunta relevante com direito a milhares de respostas seja em um ambiente corporativo ou uma mesa de bar. Sem titubear disse que sim, sou bem sucedido.

Horas depois me pus a pensar no significado de minha resposta. O que é ser bem sucedido? Dinheiro? Carreira? Filhos? Sucesso? A resposta mais simples seria um pouco de todos.

Mas não é tão simples assim.

Em minhas divagações noturnas embaladas a café e nicotina, tive um estalo mental.

Ser bem sucedido é poder retribuir o que se consegue: de nada adianta acumular poder, dinheiro ou conhecimento, se não compartilhá-los, irá morrer abraçado com todos eles.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

A onda perfeita

Ele continuava sentado olhando para o mar. Sabia que dali a duas horas precisava voltar para São Paulo. Mesmo assim esperava pela onda perfeita.

Trinta e um anos. Surfista há quinze. Casado, um filho. Cria de cidade grande. Trabalhador de segunda a sexta e sonhador de fim de semana. A ultima grande onda que pegara fora no Peru há alguns meses atrás. Sabia que naquele dia a chance do mar levantar era muito pequena. Mesmo assim acreditava.

Em sua crença o mar cura tudo. Sentia que uma única onda faria os problemas parecerem pequenos e a vida mais leve. Funcionava para ele como um remédio homeopático, uma dose de surfe duas vezes por mês era o suficiente para equilibrar a ansiedade.

Já fora mais selvagem. Viajara pelo mundo atrás da onda perfeita. Nunca a encontrara. Mas nunca desistia. Costumava procurar praias onde o ser humano comum nem imagina que existam. Lugares inóspitos sem o mínimo de infra-estrutura, acomodações ou mesmo acesso. Com uma mochila nas costas andava horas carregando a prancha. Sem recursos dormia no relento, acordava de madrugada para entrar em mares com temperatura abaixo de dez graus, ficava sem comer. Tudo pelo sonho daquela montanha de água caindo uniformemente pela direita.

Continuava sentado imóvel olhando para o mar. Dez horas da manha. Tinha um almoço em São Paulo na qual não podia se atrasar. Precisava sair no máximo em uma hora. Compromissos, sempre havia algum. A praia começara a encher. Famílias inteiras se acotovelando por um pedaço de areia. O som mal sintonizado de um pagode. Um cheiro enjoativo de fritura do bar ao lado. Mesmo assim continuava sentado esperando.

Fora no médico na ultima semana. Problema no ombro. Algo sobre má formação óssea. Teria que fazer algum tipo de fisioterapia. Era um problema, atrapalhava a remada e sem ela não teria como cruzar a arrebentação. Naquele momento isso não importava. Olhos fixos no horizonte a procura de algum vestígio daquela série de ondas que o faria correr feito um alucinado mar adentro.

Ouviu o barulho de um telefone. Automaticamente põe a mão no bolso. O celular tinha ficado desligado no carro. Será que estavam a sua procura? Não era hora para telefonemas. Lembrou que no passado uma prancha velha, um cacho de banana para evitar cãibra e um mar nervoso era tudo que importava. O mundo ficava em um universo paralelo quando isso acontecia.

Dez e trinta, nada do mar levantar, não havia um pingo de vento. O swel definitivamente não tinha entrado naquela manha.

Com um mau humor crescente se levanta, pega a prancha e joga na caçamba da picape. Sobe a serra se remoendo de raiva. Nem ao menos uma onda conseguira pegar.

Chega na cidade grande. Toma um banho e se prepara para os compromissos da tarde. Sabe que ira começar fisioterapia para o ombro. Isso significa muito tempo sem ir para o mar. Muito tempo sem surfar.

Sentado na sala começa a olhar para os lados. A sala arrumada. Jack Johnson no estéreo. Seu filho brincando em um canto sorrindo para ele. O som de sua esposa discutindo com a cafeteira. Tudo o que tem, o que conquistou. Lembrou de onde veio, onde estava e para onde iría.

Começa a rir. Finalmente se deu conta. Tinha pego a onda perfeita. Estava agora surfando nela.

Privacidade

Outro dia estava assistindo a uma palestra ouvi a seguinte frase. A privacidade e a liberdade de um indivíduo começam quando termina a do próximo. Na hora pensei que aquele sujeito não mora em um apartamento de uma cidade grande. Não há um conceito de privacidade em um espaço com vinte milhões de habitantes. O próximo fica muito próximo.

Eu normalmente acordo zonzo com o despertador. Cambaleando e zumbindo encontro meu caminho para o banheiro. Um banho rápido e meio frio seguido de um café forte alinha meu cérebro. Um monte de informações desconexas vem do radio que meu vizinho insistentemente deixa no último volume. Ainda meio abobado a meio caminho do hall de entrada agarro o jornal do dia. Lendo as manchetes aperto o botão do elevador. A porta se abre e seres estranhos com caras amassadas iguais a minha me olham com impaciência. São intermináveis sessenta segundos de trajeto descendente em um ambiente minúsculo cercado de pessoas que mal conseguem pronunciar um bom dia. Nem o choque térmico do banho meio frio foi tão violento. Quer mais invasão de privacidade do que isso?

Tenho certeza que qualquer ser humano racional quando aperta o botão do elevador reza para que o mesmo venha vazio.

A caminho do trabalho passo no banco. Para variar vejo aquela fila enorme e os mesmos tipos amassados segurando pilhas de documentos. Olham constantemente irritados para o relógio como se isso fosse fazer a fila andar mais rápido. Educadamente vou para o fim da mesma com meu jornal embaixo do braço. Não há como escapar, a pessoa na minha frente faz aquele comentário inevitável que ouvimos milhares de vezes:

- Que fila heim?

Na minha sapiência matinal embaralhada e longe ainda do meu segundo café respondo um sonoro:

- É!

A pessoa arregala os olhos assustada e vira para frente. Ótimo, posso continuar a ler o jornal.

Nem bem fixo os olhos no periódico a mocinha do banco me interrompe:

- O senhor vai fazer um depósito? Não quer usar o caixa automático?
- Não!

Outra arregalada de olhos. Que coisa! Resolvo colocar os óculos escuros, melhor assim. Fico com cara de mau e ninguém mais comentará nada comigo. Nada contra a boa educação mas minha parte do cérebro responsável pela fala ainda não foi acionada.

Finalmente chego ao trabalho. Abasteço-me de outro café forte. Um monte de telefonemas para fazer e um monte de coisas a resolver. Até aí nada de errado, afinal sou pago para isso.

Todos acham que trabalho muito, nem saio para almoçar. Faço um lanche ali mesmo. Muito mais confortável. Não tenho que pegar o carro, filas no restaurante, encontros indesejáveis. Fico ali mastigando devagar e desafiando pela centésima vez o computador para uma partida de paciência.

Começo a pensar na palestra que assisti. Uma forma prática de resolver o dilema de privacidade e liberdade individual seria reeditar o antigo bambolê. Aquele brinquedo antigo que consistia em um aro de plástico de um metro de diâmetro usado para um misto de dança e diversão. Todo o cidadão poderia portar um daqueles e a qualquer momento colocar no chão e entrar no círculo. A partir deste ato o espaço dentro do bambolê seria inviolável. Ninguém seria permitido interagir com o indivíduo ou violar seu perímetro. Caso isso acontecesse o transgressor estaria sujeito à multa e apreensão do próprio bambolê. O problema seria o incomodo de carregar aquilo para todos os lugares.

Lembrei do banco que tinha ido logo cedo. Naquele caso funcionaria perfeitamente, ninguém mais ficaria fungando no meu cangote tentando fazer a fila andar mais rápido. Poderiam até inventar um sistema de cores. Bambolê vermelho: proibido qualquer tipo de interação. Amarelo: pergunte antes. Verde: use e abuse. Seria a melhor forma de legitimar e legislar o convívio entre as pessoas.

Paro de pensar em como resolver a teoria do caos e retomo meu trabalho.

Fim do dia, cansado, saio dirigindo e encalho em um mar de carros. Parado no transito começo a olhar para as figuras ao redor. A mocinha falando ao celular balançando a cabeça negativamente. A senhora passando batom enquanto tenta engatar a marcha do carro. O executivo em um carro enorme usando um barbeador elétrico. O pós-adolescente chacoalhando a cabeça com o som no ultimo volume. Devem achar que estão na sala de casa. Eu mal consigo assoar o nariz para não desgrudar as mãos do volante.

Fecho os olhos e imagino uma casa de campo com um gramado infinito. Muito espaço, muito sol, muito calor, muito.....Uma buzinada me tira daquele torpor mental. O farol abriu e todos me olham feio como se eu fosse responsável por aquele caos.

Finalmente chego em casa. Pego o elevador junto com uma senhora guiando um cachorro que não desgruda os olhos de mim.

- É mansinho. Diz ela enquanto o quadrúpede cheira meu sapato.

Com uma vontade crescente de esganar o canino me refugio no canto. Desço no meu andar e rapidamente entro em casa.

Lar doce lar. Coloco minha bermuda favorita, meu chinelo de dedo e um congelado no forno. Sento preguiçosamente no meu sofá. Coloco o prato de comida no colo e o controle remoto do lado.

Finalmente minha sonhada privacidade. Então era disso que o rapaz da palestra devia estar falando.

O telefone toca.

- Meu nome é Márcia, sou da Telefônica e estou ligando para saber se o senhor estaria interessado.........

Respiro fundo e volto a lembrar da casa no campo.

Objetivos

A vida é feita de objetivos. Essa frase parece titulo de livro de auto-ajuda. Mas no meu caso é assim que funciona.

Querendo melhorar minha forma física e sem nenhum incentivo pessoal para isso resolvi usar minha experiência de planejamento adquirida do mundo corporativo. Tracei um plano estratégico com um objetivo final: correr uma maratona. Mais especificamente a São Silvestre. Com meu “plano de negócios” formatado e devidamente planilhado fui à luta.

Doze meses se passaram.

Estava sentado no chão da academia. Olhava minhas anotações diárias de treino e meus gráficos de desempenho. Analisando minha evolução posso dizer com certeza que atingi um terço dessa meta. Isto é, no estado físico atual que me encontro e fosse correr agora a São Silvestre, no exato momento que completasse cinco quilômetros, cairia duro no chão. Somente a ambulância do Incor para me remover dali. O resto teria que fazer de táxi, e mesmo assim fazendo as curvas devagar para não ficar tonto. Os números da minha planilha não mentem, ainda não é a hora.

Não há nada mais tedioso do que correr em uma esteira. O treino nunca muda: uma parede branca na frente, o barulho ritmado e constante do motor, o calor sufocante de uma sala fechada. Para acompanhar esse banquete indigesto sessões doloridas de alongamento e exercícios localizados com pesos. Realmente é para masoquista nenhum botar defeito.

Com um metro e noventa, pesando noventa quilos e com um problema crônico no joelho estou muito mais parecido com um halterofilista do que um maratonista. Não tenho o biótipo de um etíope magro que só ocupa meio espaço. Até agora não sei onde estava com a cabeça quando decidi correr.

Mas o objetivo continua. Quinze quilômetros de dor e sofrimento e um final caótico na linha de chegada na avenida Paulista. Sem essa meta eu já teria desistido. Seria como ir ao dentista, usar a broca sem anestesia e sair dali sem consertar nada.

Subi outro dia a avenida Brigadeiro Faria Lima de carro. Fiquei imaginando um atleta de fim de semana chegando naquele trecho. É o final da São Silvestre, uma longa e constante subida. É inconcebível que alguém, véspera de ano novo, depois de correr mais de dez quilômetros, exausto, olhe aquela imensidão de ladeira e ainda sinta algum tipo de satisfação. Mas a teimosia do ser humano é algo incrível. Mesmo com essa perspectiva dantesca vou todos os dias para academia, ligo a esteira elétrica e saio correndo.

A ultima maratona assisti pela televisão. Depois de um tempo enorme que o primeiro completou a prova apareceu um ancião com todos os anos de idade cruzando a linha de chegada. Foi aplaudido em pé. Ótimo. Peguei minha planilha de treino e escrevi uma observação. “Quanto mais velho melhor”. Se eu tivesse vinte anos seria quase uma obrigação completar uma prova dessas. Com quase quarenta será uma bela conquista. Imagina então com sessenta? Ergueriam uma estatua em meu nome.

Pode ser que nunca participe mas preciso acreditar que sim. Talvez esse ano, ou o próximo. Quem sabe? Tenho que me agarrar em algo para motivar meu lado atleta.

Depois desse tempo todo percebi que estava melhor fisicamente. Aliás, essa era a idéia original antes mesmo de pensar em participar daquela prova. Chamem-me de obsessivo. Mas comigo funcionou. O fim justificou os meios, mesmo que ainda não tenha chegado lá.

Finalmente me dei conta, não poderei tão cedo completar meu objetivo. E depois, faria o que? Pararia os treinos? Decidi que daquele ponto em diante a São Silvestre seria o meu Everest. O lugar mais alto que poderei atingir. Minha mola propulsora para continuar os treinos. Não há necessidade para pressa.

A São Silvestre sempre estará lá. Este ano será a 81ª edição. Gosto de números redondos. Participar da 90ª começa me parecer uma boa idéia.

300 dias entre o céu e o mato

Um dos livros que mais gosto é a narrativa em primeira pessoa de Amyr Klink, 100 dias entre o céu e o mar. Neste livro ele conta como cruzou o oceano Atlântico remando durante 100 dias um bote extremamente equipado e planejado.

Eu tive uma experiência semelhante, passei 300 dias morando em uma casa no meio do mato afastada da civilização e sem carro como meio de locomoção.

Não havia telefone, o celular mal pegava. O único elo com a civilização era uma televisão via satélite. Ficava dias sem falar com outro ser humano.

Nas primeiras semanas tudo foi muito estranho, muito silencio e solidão, uma cartucheira, tão antiga que Borba Gato provavelmente a usou, era minha companhia. Falso conforto, cria da cidade grande desconfia até da sombra. A arma era tão velha, um tiro por vez, eu demorava quase um minuto para rearmá-la. Depois de duas semanas troquei-a por um velho taco de baseball e um cachorro barulhento, muito mais eficiente.

A solidão é algo que assusta, mas a mente humana é impressionante, adapta-se rapidamente. Pensar em voz alta, falar com o cachorro, discutir com a televisão fazia parte do meu dia-a-dia.

Não fui me enfiar no meio do mato a passeio, tinha um objetivo, restaurar e reformar uma casa.

Percebi que sem um planejamento até hoje estaria lixando alguma parte da casa, e ela não estaria pronta. Com isso em mente a experiência solitária de Amyr se tornou meu guia. Instaurei um regime de horário militar, metas semanais a cumprir e parti para a reforma.

Uma das tarefas diárias que mais gostava era fazer um breve diário, como um pilot book marítimo, separei duas passagens que particularmente gosto:

19 de setembro 2005

Mais uma semana vai começar. Fazem mais de oito meses que eu estou nesta balada de monge tibetano. Vivendo e trabalhando sozinho parcialmente longe da civilização. Interessante como a vida dá voltas, nem nas minhas mais loucas idéias poderia visualizar um trabalho como esse.

De estudante de economia, empresário com um casamento fora de controle para um trabalhador braçal vivendo como um eremita com uma paciência oriental para trabalhos solitários. Bela biografia. Vai entender!!!

Muito trabalho pela frente. Começando pelo visual na frente da cozinha: o gramado tem falhas, umidades para resolver e degraus por fazer. Comecei pela pintura do guarda corpo do terraço.

Domingão à noite. Vou assistir o Fantástico. Um pouco de informação não faz mal a ninguém. Entre um bife e outro vejo imagens do trânsito em São Paulo, morro de rir.

17 de novembro de 2005

Afasto-me cem metros da casa. Durante meia hora fiquei sentado, olhado e fumando, percebi que o trabalho estava quase pronto. Todas as madeiras internas e externas da casa foram restauradas. A hidráulica e elétrica funcionando. A casa pintada. Estava na hora de definir um limite para minha obsessão à perfeição.

Lembrei que precisava descongelar o frango para a janta e colocar a lenha para dentro.

Fiz um café.

Estava satisfeito.

Esta foi uma experiência fantástica. Um dia tomo coragem e escrevo um livro.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Namoro

“Namorar é viver no paraíso”. Já ouvi essa frase em algum lugar mas nunca entendi direito o seu significado.

Casei, separei e estou namorando de novo. Só agora estou começando a entender o conceito. Namorar é assistir junto com ela o último capítulo da novela das oito em uma sexta-feira à noite. Agora, namorar e realmente gostar da situação é no dia seguinte assistir a reprise do capítulo e ainda pedir para ela fazer uma retrospectiva de toda a novela para que você entenda o que está passando.

Como é bom namorar. A maioria das frases que se escuta é: “Oi meu bem. Te vejo a noite meu bem”. Bem melhor do que no fim de um casamento: “Esse é meu bem e aquele é o seu bem e não se fala mais nisso”.

Tive que reaprender todo o esquema novamente. Responsabilidades e deveres de um namorado. Não se parece nem de longe com a rotina de um casamento.

Um bom namorado que se preze não chega rotineiramente e diz que está cansado e teve um dia ruim. Isso quem pode fazer é um marido. O certo é dizer que passou o dia pensando nela e que não via a hora de encontrá-la. Na hora que ela escuta isso, abaixa os olhos emocionada aí sim, é permitido dar aquela bocejada para espantar o sono. Mas tem que ser rápido, pois se ela perceber o lapso você terá problemas pelo resto da noite.

Se até este ponto tudo deu certo e ela resolveu ficar para dormir na sua casa não se esqueça de um detalhe importante. Sua geladeira. Claro, você mora só, não tem obrigações com ninguém mas não custa nada limpá-la. Jogue fora todas as caixas velhas com resto de pizza, aquela metade de cebola enrugada no canto, o meio pote de margarina vencida e a lata de cerveja aberta . Em hipótese nenhuma a deixe descobrir que você guarda o resto de comida no prato junto com os talheres no freezer para requentá-lo mais tarde no microondas. Nada de restos. Passe no supermercado, compre algumas frutas e legumes, lasanha fresca e sucos. Preencha a geladeira com coisas saudáveis. Ela não precisa saber que você irá pedir uma pizza e que tudo aquilo irá apodrecer. Como diria um amigo meu, marketing é a alma do negócio.

Como nós, seres masculinos, temos tendência natural ao relapso, não custa nada dar uma checada na louça guardada no armário. Dedos de poeira e marcas antigas de batom nos copos são imperdoáveis. Pode parecer paranóia mas aconteceu comigo. Sempre gostei de usar copos de requeijão, são resistentes, práticos e se quebrar sempre há outro para substituir. Naquela noite resolvi usar as taças de vinho do fundo do armário. Enquanto exercitava meu curto repertório de conquistador ela nota a marca seca de batom na taça que segurava. Foi mortal.

Claro, existem outros detalhes do cotidiano que precisam ser revistos, a posição da tampa da privada, a lamina de barbear guardada no lugar correto e a toalha úmida devidamente pendurada no varal. Estes pequenos detalhes evitam que seu banheiro fique com cheiro de vestiário de time de futebol do interior e, claro, contaram pontos a seu favor.

Outro ponto a ser cuidadosamente trabalhado é o primeiro contato com a nova família. Uma das lições já aprendidas é sempre se apresentar com o seu nome próprio, nunca como “eu sou o namorado da fulana”. Isso é um erro grave. Você sempre será conhecido como o namorado mas jamais lembraram do seu nome. Um conhecido meu, irritado com essa situação, sempre que era apresentado como “o namorado” emendava a seguinte frase: “mas me chamam de Bond, James Bond.” Claro, acabou o namoro.

Como tudo na vida o namoro também é um aprendizado, nós somos seres pensantes e temos uma grande capacidade de adaptação às situações mais adversas.

Mas se apesar de todo o esforço e cuidado ainda assim acontecer um desastre faça como um mestre, respire fundo e diga com a maior cara de pau:

“Podemos esquecer este episódio e seguir em frente, nunca mais falaremos sobre isso, concorda?”

Se ela concordar ótimo, você ganhou mais tempo, boa sorte até a próxima.

Mas não se esqueça, isso só funciona uma vez.

Criança

Todo o ser humano que se preze acha lindo quando vê uma criança brincando. Também acho. Até aquela noite.

Fui convidado para um jantar no apartamento de um casal amigo com um filho pequeno. Chegando cumprimentei a todos e observei aquela criança tímida sentada toda arrumada no canto do sofá. Extremamente educada para sua idade sorria fazendo gestos de adeus com a mão. Todos se aproximavam dela perguntando seu nome, quantos aninhos tinha. Elogiavam aos pais pelo filho lindo que tinham.

Os aperitivos são servidos enquanto o pequeno ser brinca calmamente entre os convidados.

O problema começa quando o teor etílico começa a afetar a cabeça dos convivas. Querem agora fazer parte das brincadeiras do moleque. Levantam-no, sacodem, pegam seus brinquedos, correm atrás dele e este maravilhado acha que chegou ao céu. Nunca em sua curta existência teve tanta atenção em tão pouco tempo.

O jantar é servido. Sentado no cadeirão perto da mesa ele brinca com a comida. Meio agitado começa a jogar pedaços de pizza para os lados. A mãe inutilmente tenta acalmá-lo. Ela explica com um ar meio sem graça que ele normalmente não é assim. Muita gente, ele não esta acostumado. Todos sorriem, nem se importam, acham lindo como aquela criança espalha comida pelo chão da sala.

Terminado o jantar fomos para um café. A essa altura o moleque está a mil por hora. Tinha achado a bola que a mãe, convenientemente havia escondido. Transformando a sala em seu Maracanã particular chutava a pelota para todos os lados e vez ou outra acertava minha perna. Todos os convidados participavam gritando e incentivando a pelada improvisada.

A mãe arriada entre as almofadas do sofá definitivamente tinha desistido. Olha impotente quando uma taça cheia de vinho tinto se quebra espalhando o liquido pelo seu tapete novo.

O ponto alto da noite foi a sobremesa. Sem que ninguém percebesse o garoto atolou as duas mãos no bolo e saiu correndo espalhando chocolate por todos os móveis. Em desespero a mãe persegue aquele rastro marrom segurando um pano de prato em uma inútil tentativa de estabelecer alguma ordem naquele caos.

Como um pequeno general recém empossado no cargo ele agora controla um exercito de brinquedos e pessoas espalhados pela sala. Tinha tomado o poder.

A noite vai chegando ao fim. As pessoas se despedindo, agradecendo. O pequeno infante assiste tudo pulando alucinadamente no sofá branco com os sapatos sujos de chocolate. Olhando aquilo me lembro do filme o Médico e o Monstro. Naquela noite vi um ser delicado, tranqüilo se transformando em um pequeno tornado destruindo tudo que estava em seu caminho.

Agradeço aos anfitriões e digo que tudo estava ótimo, poderíamos repetir aquilo mais vezes. A mãe me olhou com um misto de desespero e ódio. Só ela saberia o que a esperava pela frente. Como fazer uma criança que mais parecia um trem desgovernado dormir e ainda no outro dia ter que refazer a casa semi destruída.

No elevador olho para minha esposa. Ela sorriu e entendeu. Um filme seria o máximo que aconteceria naquela noite. Estava meio traumatizado para atividades noturnas mais ousadas.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Kafka

Duas horas da manha, uma quinta feira qualquer de agosto do ano de 2009.

Acordo num sobressalto. Maldito pesadelo. Mandíbula dolorida de tanto morder os dentes, camisa encharcada de suor.

Levanto ainda meio assombrado e vou me arrastando para cozinha. Abro a geladeira, agarro o primeiro tuperware cheio de coisas que vejo. Na porta acho um achocolatado pronto. Sento a mesa com meu protótipo de lanche na frente. Ainda relembrando partes de um sonho absurdo noto algo caminhando na pia da cozinha. Paro de mastigar com um misto de nojo e surpresa. Não era o único ser, noite após noite, a rondar o estabelecimento em busca de restos para comer.

Meu primeiro instinto foi assassino, mas estava muito tonto ainda para bolar um plano homicida. Ela para de andar, sobe no beiral da pia e olha para mim. Tomo um gole de chocolate e volto a mastigar. Imóvel, apenas com as antenas balançando, parece não se incomodar com meus movimentos famintos. Ficamos assim, eu comendo e ela balançando as antenas.

Lembrei do inseticida no armário. Era só levantar e pegá-lo, mas não pude. A idéia de eliminar um ser que nada tinha feito de errado me pareceu absurda. Que vida complicada, provavelmente é a criatura mais odiada da face da terra. A única vez que ouvi alguém falar algo de bom dela foi Kafka, e ainda assim com ressalvas. Estava condenada a vagar pelo resto de sua existência se esgueirando pelos cantos, vivendo de restos e fugindo de todos.

Terminei meu lanche, ela continuava lá com suas antenas dançando um balé sonolento. Acendi um cigarro tentando entender o porque daquela situação incomum. Será que aquele ente estava tentando estabelecer algum tipo de comunicação comigo? Ou apenas surpresa pela minha aparição dantesca no meio da madrugada.

Ainda encarando aquele invertebrado comecei a lembrar de alguns problemas rotineiros daquele dia. Pareceram insignificantes diante daquela situação cômica de “contatos imediatos de terceiro grau”. Kafka tinha razão, problemas mesmo eu teria se acordasse com um par de antenas espetadas na testa.

Ainda alternando entre um pensamento filosófico e um bocejo ela se vira, corre e some atrás do fogão. Dei uma risada, apaguei o cigarro e fui dormir.

Na manha seguinte conto o fato a minha esposa antes de ir trabalhar, ela riu e não disse nada.

Espero que ela não tenha passado o dia com uma vassoura na mão rondando a casa na ponta dos pés pensando onde estava com a cabeça quando resolveu casar comigo

2012

Acordei e me dei conta. Estava no ano de 2012. Não tinha a menor idéia de como tinha chegado ali. A última recordação era de algum dia de novembro de 2007. Passaram-se cinco anos.

Levanto, tomo um banho e me olho no espelho. Sou eu mesmo, não pareço mais velho, o cabelo ainda está no lugar com os mesmos fios brancos em cada lado. Nenhuma ruga nova.

Olho para os lados. Não reconheço a casa. Os quadros na parede são meus. Devo morar ali. Está um pouco arrumada demais. Será que não moro sozinho? Abro as gavetas e encontro um monte de roupas femininas. Opa! Casei de novo e nem estou sabendo?

Com a cabeça rodando vou para a cozinha. Abro a geladeira e encontro o pó de café guardado junto com uma pilha de enlatados. Só eu mesmo para refrigerar produtos em conserva. Realmente moro ali. Faço um café forte e adiciono um Marlboro. Ótimo! Cafeína com nicotina me fazem pensar melhor.

Com o cérebro clareando procuro um jornal pela casa. Preciso saber o que está acontecendo.

Tropeço em um carrinho de plástico no caminho. Opa! Vestígio de criança. Será que além de casar já tenho filhos?

Acho um jornal no canto da sala. A foto do Lula envelhecido estampa a manchete. O que será que esse barbudo aprontou de novo. E a seleção? Será que ganhou a copa?

Ligo a televisão. A programação parece ser a mesma. Começa um jornal. As notícias parecem repetidas. Enchentes, fraudes, assaltos, transito, um monte de baboseiras sobre produtos de beleza. Bom, pelo menos algumas coisas não mudaram.

No canto da sala vejo um telefone com uma secretária eletrônica junto. No visor marcava um recado. Aperto o botão. Uma voz feminina sai pelo auto falante dizendo para não me preocupar que irá se atrasar mas ligará mais tarde. Não reconheço. Aquilo só piorou a situação. Se eu casei, com quem foi? Preciso de mais um café.

Abro a janela e olho para a rua, não reconheço nada. Nem ao menos sei se estou na mesma cidade. O dia está claro, céu limpo, pouco movimento. Está com cara de fim de semana.

A campainha toca, abro a porta. É um rapaz entregando uma caixa de comida de alguma mercearia. Agradeço e pergunto quem tinha mandado aquilo. Ele ri e diz: você, não lembra?

Garoto idiota! Se eu lembrasse nem tinha perguntado. Dentro da caixa só encontro produtos biodinâmicos, leite desnatado, grãos e chá. Cadê os hambúrgueres congelados, doces e bolachas? Legal, com certeza devo ter comido aquilo e meu cérebro entrou em curto e deletou cinco anos de minha vida.

Sento na sala. Preciso tomar uma decisão do que fazer primeiro. Se ligar para alguém e perguntar o que tem acontecido nos últimos anos vão me internar com certeza.

Começo por vasculhar a casa em busca de algum tipo de informação. Fotos, vídeos, qualquer coisa serve. Acho um caderno velho de capa verde com anotações minhas. Milhares de anotações. Coisas do dia-a-dia. Começo a ler: cortar a grama do jardim, comprar leite, arrumar o portão da garagem, cortar o cabelo, chamar a assistência técnica para consertar a maquina de lavar, pagar a conta de luz, levar o cachorro no veterinário. Opa! Tenho um cachorro! Então cadê o animal? Será que levei no veterinário e o incompetente o matou?

A campainha toca de novo. Vou atender e dessa vez é um velho alto de terno preto com a pele meio cinzenta. Ele me olha e diz com uma voz muito grave:

- Está na hora.

Como assim? Espere um pouco! Ainda nem sei como vim parar ali e nem o que estou fazendo neste lugar. Explico que ainda preciso entender toda a situação. Mostro a caixa da mercearia com os produtos naturais na tentativa de ganhar mais tempo. Digo que me alimento bem, me exercito, não bebo, levo uma vida saudável, fumo um cigarro de vez em quando e só. Ele não mexe um músculo da face.

Começo a entrar em desespero.

Acordo suado. Olho no relógio. Estou em 2007. Aliviado levanto e tomo um copo de água. Que pedreira de pesadelo! No caminho para a sala encontro um caderno novo de capa verde e uma caneta, esquento um café e começo a anotar o que irei fazer durante o dia.

Pseudo Masoquista

Já não sou mais um adolescente, na altura dos meus 40 anos freqüento uma sessão quase diária de treinos físicos. Volta e meia acordo todo dolorido. Para que? O argumento imbatível é que fazemos isso pela nossa saúde. Cada vez mais percebo que isso é uma grande bobagem.

Treinar algum tipo de esporte estático individual onde não atingimos nenhum objetivo real como fazer um gol, ganhar um set, terminar uma maratona? É algo próximo de um masoquismo legalizado.

Um dia questionado por que treino constantemente respondi: Para ficar em forma. Meu interlocutor continuou: ficar em forma para que? Ué, para aquentar treinar todos os dias, respondi. Estúpida conclusão? Nada mais faço do que um looping insano impulsionado por dor e endorfina.

Mas continuamos treinando e nos orgulhando disto. Quantas vezes escutamos que estamos quebrados, cansados, mas levantamos a cabeça e voltamos para academia.

Nossa vida já é uma constante seqüência de esforço e vitória. Treino físico diário nada mais do que um curta-metragem disto. Hoje treino, amanha dói, depois de amanha prazer. Treino, dor e prazer. Uma repetição de padrão que estamos culturalmente acostumados. Sem esforço dor e sacrifício nada se conquista.

Há um tempo vi uma maratona na televisão Os atletas mais aplaudidos foram os que chegaram arrebentados, mancando, com uma expressão de dor constante. O publico vibrou. O primeiro lugar chegou sorrindo e dando adeus, foi timidamente aplaudido como se fizesse nada mais que sua obrigação.

Onde foi que aprendemos que tudo tem que ser sofrido e dolorido? Porque o sabor da vitória só será sentido se anteriormente tivermos algum tipo de privação de prazer.

Já notaram anúncios televisivos de aparelhos de ginástica que prometem resultados fantásticos com o mínimo de esforço? Cinco minutos por dia, dizem. O primeiro pensamento que me vem à cabeça é: será que funcionam? Arrebento-me diariamente nos treinos e não pareço nada com o modelo da propaganda esticando um maldito elástico.

Não tem como, o conceito esforço dor e conquista está inserido na nossa seqüência de DNA. Como se ao nascermos chorando o médico diria: vá acostumando meu amigo, a vida aqui fora assim. Nunca consideramos o sucesso de alguém sem seu passado sofrido. Não seria justo. Será mesmo? Porque não mudarmos esse padrão? Por que não transformar a caminhada tão prazerosa quanto à chegada?

Filosofias a parte, preciso ir, meu braço melhorou o suficiente para voltar a treinar.

Divagações

Hoje acordei com uma frase martelando minha cabeça: “A Fé move montanhas”. Provavelmente estavam certos. Na época da criação desta frase não havia outra forma de movimentar milhares de toneladas de terra. Hoje qualquer empreiteira, 50 kg de dinamite e meia dúzia de caminhões fazem o serviço. Mesmo assim só a fé não resolve mais. Ficar sentado olhando para a parede esperando que a fé resolva tudo já é coisa do passado.

De onde surgiram estas frases? De um intelectual pensante afundado em livros ou um ébrio partindo para seu terceiro uísque?

Passei minha vida inteira parafraseando outros, decisão 2009: vou criar minhas próprias frases.

A palavra da moda em voga é pró-atividade. O que realmente significa isso? Hoje em dia todos dizem em qualquer situação que são indivíduos pró-ativos, ninguém mais questiona o real significado disto. No contexto de hoje um cão de guarda é o ser mais pró ativo que conheço, morde qualquer infeliz que cruzar seu caminho.

Que tal essa, - foco -, também é ótima para ser usada em todas as ocasiões, “tenho foco em tudo que faço”, “precisamos de foco para terminar o serviço”. Terrível, o próprio significado da palavra já expõe o problema, qualquer situação focada torna todo o resto “desfocado”, “fora do foco” isto é: irrelevante. Bela forma de definir egoísmo.

Outra frase moderna que já não agüento mais ouvir é: estou correndo!!! Para onde? Por acaso virou maratonista? Quando encontro alguém em situações inesperadas já não pergunto como vai. A resposta será a mesma: fora à correria, tudo bem.

Hoje ninguém mais dimensiona as coisas que falam.

No fim deste ano passado escutei uma que me fez parar para pensar: você é bem sucedido? Diretamente do gestor do escritório onde trabalho no meio de uma reunião. Finalmente uma pergunta relevante com direito a milhares de respostas seja em um ambiente corporativo ou uma mesa de bar. Sem titubear disse que sim, sou bem sucedido.

Horas depois me pus a pensar no significado de minha resposta. O que é ser bem sucedido? Dinheiro? Carreira? Filhos? Sucesso? A resposta mais simples seria um pouco de todos.

Mas não é tão simples assim.

Em minhas divagações noturnas embaladas a café e nicotina tive um estalo mental;

Ser bem sucedido é poder retribuir o que se consegue: de nada adianta acumular poder, dinheiro ou conhecimento, se não compartilha-los irá morrer abraçado com todos eles.

Primeira vez.....

O interior da aeronave vibra sem parar, finalmente o Electra começa a taxiar e manobra no fim da pista pronto para decolar. Os quatro motores turboélice Allison aceleram gerando 3.750 cavalo-força em cada. Colo no banco. Com o cinto de segurança afivelado e meu rosto colado na janelinha vejo aquele monstro de aço ganhar velocidade. Finalmente decola. Eu, garoto, vejo o aeroporto de Congonhas diminuir de tamanho. Emoção indescritível da ponte aérea Rio – São Paulo, é a primeira vez que ando de avião, nunca esqueci aquele momento.

Vinte e cinco anos depois, ainda lembro da poderosa injeção de adrenalina de experimentar algo pela primeira vez na vida. Não esqueço também quando li meu nome no jornal entre os aprovados no vestibular, meu primeiro estágio no segundo ano de faculdade, meu primeiro carro, a primeira namorada.

Emoções e lembranças poderosas que ficam gravadas em nossas memórias. A vida seria muito monótona sem estes momentos isolados. Há dias em que nem lembramos o que comemos no café da manhã, mas aquele gol que fizemos no final do campeonato no torneio do ginásio, inesquecível.

Com mais milhagem acumulada, estas passagens tendem a ser mais raras e espaçadas. Ficamos mais anestesiados pelo acúmulo de tempo. Mas precisamos delas.

Era uma manhã chuvosa de um dia perdido, dezenas de coisas para fazer e eu em um mau humor crescente. Tomei um café rápido, peguei minha pasta cheia de papéis e a chave do carro, a caminho da garagem um gari sorrindo e assoviando limpava a rua, virou-se para mim e disse um alegre bom dia! Nem minha cara de limão passado removeu o sorriso no rosto do sujeito. Resolvi parar e indaguei o rapaz a razão de toda aquela alegria. Ele disse: recebi um aumento, vou poder finalmente parcelar minha primeira televisão.

Disse um atrapalhado parabéns, desejei-lhe sorte e entrei no carro. Finalmente me dei conta, para o rapaz o Electra estava acelerando com seus milhares de cavalos de potência. Estava experimentando o resultado do novo, a adrenalina corria solta.

Verifiquei na agenda o que precisava fazer, peguei minha caneta e adicionei no final uma tarefa:

- Experimentar algo novo, correr algum risco, fazer algo diferente, ninguém merece terminar o dia com o “boa noite” do William Bonner.