sábado, 23 de maio de 2009

Vizinhos

O cenário é simples. Apartamento novo, alto padrão, região nobre de São Paulo. Todos os detalhes pensados com exatidão. Armários instalados sob medida em todos os aposentos. Home theather funcionando perfeitamente. Computador de ultima geração instalado em um nicho da sala. Cozinha customizada. Carros na garagem. Tudo isso que um casal na faixa dos 30 anos poderia desejar.

O sonho de consumo da classe média estava se realizando.

Exceto por um detalhe: os vizinhos.

Eles não vêm descritos no contrato de compra do apartamento. É uma compra casada que segundo o Código do Consumidor no Titulo I, capítulo V, seção IV, parágrafo I, é uma pratica proibida. Compre um apartamento e leve de brinde um monte de vizinhos.

Logo na primeira noite um barulho indecifrável começa a perturbar o sossego do casal. Algo rolando com um barulho surdo vindo de cima atrapalha o filme na nova televisão de plasma com trinta e muitas polegadas e caixas de som performáticas. Não é possível! Tem alguém jogando boliche neste prédio! O marido a acalma explicando que o prédio é novo, os moradores estão chegando, se instalando, é normal, assistiriam o resto do filme amanha.

Dois dias depois o som retorna, agora adicionado por uma pancada seca no final. Irada, a esposa reclama com a portaria. Consegue mais dois dias de calmaria até que o barulho volta. Só, sem ter com quem reclamar pois o marido estava fora viajando a negócios, passa duas horas vasculhando em cada canto do apartamento até descobrir de onde vem o barulho e quem é o aprendiz de jogador de boliche.

Na manha seguinte, ciente de seus direitos e como uma boa cidadã cumpridora das normas, faz uma reclamação formal e escrita ao condomínio relatando o ocorrido e pedindo providências.

Dois dias se passam e o marido retorna da viagem. Antes de qualquer coisa pergunta a esposa o que tem acontecido pois o porteiro nem o cumprimentou e além disso uma velhinha no elevador começou a resmungar e tentou acertá-lo com o guarda-chuva. Toda chorosa ela explica o ocorrido e mostra a resposta escrita que recebeu. Em um papel com o timbre do condomínio estava escrito: “não fomos nós”, e só. E além de tudo os vizinhos espalharam a notícia que eles é que eram os encrenqueiros e até tentaram cuspir nela do balcão da piscina. Era só o que faltava! Que caras de pau! Aquilo não iria ficar assim.

Cuidadosamente o marido arruma um cabo de vassoura, adapta em uma das pontas uma borracha dura de pneu envolto em um pano branco para evitar sujeira e aguarda.

O barulho retorna no começo da noite e ele possuído por um instinto maligno pula do sofá, agarra o cabo de vassoura e começa a dar pancadas no teto do apartamento. A esposa sentada em um canto da sala aprecia maravilhada a cena.

Na manha seguinte os quatro pneus do marido estão no chão e ainda recebem a visita da polícia com uma denuncia de violência doméstica.

Nunca mais os vi. Sei que estão felizes.

Moram agora em um sítio afastado em Santa Rosa do Viterbo.




By Marcelo Passerini
Marcelo@passerini.com.br

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