segunda-feira, 17 de maio de 2010

A onda perfeita

Ele continuava sentado olhando para o mar. Sabia que dali a duas horas precisava voltar para São Paulo. Mesmo assim esperava pela onda perfeita.

Trinta e um anos. Surfista há quinze. Casado, um filho. Cria de cidade grande. Trabalhador de segunda a sexta e sonhador de fim de semana. A ultima grande onda que pegara fora no Peru há alguns meses atrás. Sabia que naquele dia a chance do mar levantar era muito pequena. Mesmo assim acreditava.

Em sua crença o mar cura tudo. Sentia que uma única onda faria os problemas parecerem pequenos e a vida mais leve. Funcionava para ele como um remédio homeopático, uma dose de surfe duas vezes por mês era o suficiente para equilibrar a ansiedade.

Já fora mais selvagem. Viajara pelo mundo atrás da onda perfeita. Nunca a encontrara. Mas nunca desistia. Costumava procurar praias onde o ser humano comum nem imagina que existam. Lugares inóspitos sem o mínimo de infra-estrutura, acomodações ou mesmo acesso. Com uma mochila nas costas andava horas carregando a prancha. Sem recursos dormia no relento, acordava de madrugada para entrar em mares com temperatura abaixo de dez graus, ficava sem comer. Tudo pelo sonho daquela montanha de água caindo uniformemente pela direita.

Continuava sentado imóvel olhando para o mar. Dez horas da manha. Tinha um almoço em São Paulo na qual não podia se atrasar. Precisava sair no máximo em uma hora. Compromissos, sempre havia algum. A praia começara a encher. Famílias inteiras se acotovelando por um pedaço de areia. O som mal sintonizado de um pagode. Um cheiro enjoativo de fritura do bar ao lado. Mesmo assim continuava sentado esperando.

Fora no médico na ultima semana. Problema no ombro. Algo sobre má formação óssea. Teria que fazer algum tipo de fisioterapia. Era um problema, atrapalhava a remada e sem ela não teria como cruzar a arrebentação. Naquele momento isso não importava. Olhos fixos no horizonte a procura de algum vestígio daquela série de ondas que o faria correr feito um alucinado mar adentro.

Ouviu o barulho de um telefone. Automaticamente põe a mão no bolso. O celular tinha ficado desligado no carro. Será que estavam a sua procura? Não era hora para telefonemas. Lembrou que no passado uma prancha velha, um cacho de banana para evitar cãibra e um mar nervoso era tudo que importava. O mundo ficava em um universo paralelo quando isso acontecia.

Dez e trinta, nada do mar levantar, não havia um pingo de vento. O swel definitivamente não tinha entrado naquela manha.

Com um mau humor crescente se levanta, pega a prancha e joga na caçamba da picape. Sobe a serra se remoendo de raiva. Nem ao menos uma onda conseguira pegar.

Chega na cidade grande. Toma um banho e se prepara para os compromissos da tarde. Sabe que ira começar fisioterapia para o ombro. Isso significa muito tempo sem ir para o mar. Muito tempo sem surfar.

Sentado na sala começa a olhar para os lados. A sala arrumada. Jack Johnson no estéreo. Seu filho brincando em um canto sorrindo para ele. O som de sua esposa discutindo com a cafeteira. Tudo o que tem, o que conquistou. Lembrou de onde veio, onde estava e para onde iría.

Começa a rir. Finalmente se deu conta. Tinha pego a onda perfeita. Estava agora surfando nela.

Um comentário:

Rita disse...

Às vezes custa a cair a ficha!