quinta-feira, 9 de abril de 2009

Muy amigo

O melhor amigo do homem não é o cachorro como prega a nossa filosofia ocidental. O melhor amigo e maior confidente é o controle remoto. Claro, junto com a televisão.

Com ele é possível comandar o mundo. Pular de tragédias a sucessos com um mínimo de movimento muscular. Com o advento das televisões a cabo então se tornou muito melhor. Mudar de país na velocidade do pensamento virou uma realidade.

Naquele pequeno momento de tempo numa noite qualquer um homem se torna um deus. Com a luz apagada e a caixa mágica ligada a viagem começa. Amores impossíveis e heroísmos incríveis fazem parte da jornada. O melhor de tudo é que é possível parar tudo com um simples toque de um botão, como se nada tivesse acontecido e sabendo que na noite seguinte ela estará lá para uma nova e desconhecida viagem.

Grande engano, você foi fisgado e nem sabe. O poder daquela pequena caixa cresceu e dominou o espaço. A influência que ela possue faz com que não possamos mais viver sem ela. A pequena dose diária de alucinação agora é uma necessidade e o controle remoto um vício.

Para o homem solitário o malabarismo em mudar de canal e aumentar o som ao mesmo tempo sem ao menos olhar para o controle se torna um esporte. Assistir quatro programas ao mesmo tempo e ainda assim esquentar a comida no microondas é mera rotina.

Como um animal domesticado e enjaulado a televisão parece uma ótima companhia. Não reclama e está sempre disponível. Disposta a aceitar de nós, meros seres prostrados em sua frente, todos os tipos de emoções. Descontamos em vão nossa raiva no controle remoto até que o coitado pifa. Nada mais justo, compramos um novo no dia seguinte mas, jamais esmurramos a televisão, imagina se ela se irrita e para de funcionar no meio da noite?

Provavelmente neste estágio a televisão estará em uma posição de destaque na casa, aliás, a casa foi montada em torno dela. Para que uma mesa de jantar? Temos a TV, o sofá e o famoso banquinho curinga que serve como apoio para a pizza requentada. E os convidados comeriam aonde? Como assim? Para que vieram? Será que eles não têm TV em casa?

Com o tempo chega um novo ser para alimentar a vida desse lobo solitário e deus de seu reino fictício. A esposa. Com um poder avassalador ela domina todos os cantos possíveis com seu pequeno martelo e inumeráveis preguinhos pendurando um monte de fotos de viagem e familiares tentando em vão criar um ambiente acolhedor. Como um animal ferido ele aceita e se refugia em seu mundo solitário televisivo procurando seus amigos imaginários e resmungando quando aquilo irá acabar.

Como um trem bala em alta velocidade e sem maquinista um dia chega. Vamos colocar a televisão no quarto dos fundos para caber a mesa de jantar? Como assim? Mesa? Não!

É a primeira grande briga. E a batalha é perdida. Mas não a guerra. Encurvado pelos anos em frente à telinha carrega a própria para o quarto dos fundos junto com o banquinho. Lá monta seu refúgio e imagina que um frigobar e um forninho elétrico ficariam ótimos junto com a TV. É o começo do fim. Daí para frente é só ladeira abaixo.

Um dia ele morre, em um quarto qualquer, mas ela estará lá, pendurada na parede branca no lugar mais alto possível. Onde é seu lugar de direito já que esteve lá em todos os momentos. Ele pifou antes dela e foi enterrado com tudo o que tinha direito. O controle remoto ficou no quarto onde o enfermeiro faz a limpeza. Não se contendo liga a televisão. Ela abre um sorriso cínico.


By Marcelo Passerini.

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